domingo, 23 de junho de 2019

Tu és pedra?

Escolher ser pedra seria optar por ser morte em vez de vida. Por que não ser uma frágil semente de onde as plantas podem nascer, florescer e então morrer? Sementes frágeis são paradoxalmente mais fortes que as pedras duras.
Viver de memórias, de passado é viver morrendo de saudades. Entretanto, não vejo espaço para a singela vida nesse gigantesco moedor de grãos. Tudo bem, tudo bem, sei que nas "saudades" é onde Deus firma sua morada, já que mora na presença de uma ausência; o amor mora lá. Contudo a memória, por si só, nos faz moradores das ausências. Toda vez que uma memória é lembrada, com ela podemos nos transportar, viajar até o passado. É só que o segredo é saber viver na presença de uma ausência. Se prender a só remememora é ser pedra.
Um conjunto de memórias definem a identidade de um indivíduo. De forma que supõe-se que a estrutura física e as conexões estabelecidas pelo cérebro estão sucetíveis as serem modificadas e transformadas a partir do movimento de criação de novas memórias, as quais são produzidas por intermédio de novas experiências. Somos seres compostos por mutabilidade e adaptabilidade.
Assumir a dimensão espiritual do ser é o despertar para a vida. Aprende-se a viver em meio a presença de uma ausência, a animar a alma ao invés de mortifica-la e esgota-la. Aprender o desejo pela vida nos remete a negar a imutabilidade pétrea, a mesmice, a verdade absoluta; o desejo de morte e optar por criar novas memórias e alimentar o processo criativo. Como bem diz Rubem Alves: trate de voar nas costas do vento para compreender o que é que a espiritualidade significa. O espírito é livre, é leve, voa e se regogiza. Os homens dizem amar a liberdade, mas de fato se aprisionam como fazem com pássaros colocando-os em gaiolas e tratam de ter péssimos hábitos como carregar pesadas bagagens na viagem-jornada e não perfumar sua alma. O Drummond tem poema lindo que fala sobre essas Almas perfumadas:

"Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando ri. Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda. Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver."

O ter vontade é a excelência humana, entretanto, essas vontades devem apontar para o alto, para o mundo sensível e leve, abstrato onde tudo muda e se transforma, onde tudo é possível, não para a realidade pétrea da terra dura e pesada.
O Rubem Alves traz mais um alerta quando diz: "Os homens são pássaros que amam o voo, mas têm medo dos abismos." Talvez se faça necessário refletir sobre as muitas bagagens pesadas que carregamos por aí nas costas. Pode ser que sejam fardos preenchidos por alfinetes, facas, tesouras que nos inclinam pra trás, ferem nossas asas e nos impedem de voar. Mas estamos internamente e de forma inconsciente, muitas vezes, carregando. Coragem! Força para abrir seus olhos para uma nova realidade, a do voo. O medo de sofrer te impede de viver; é pior que o próprio sofrimento.

Laís Larissy