sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Transtornos de tempo na modernidade


Bate seis horas me bate o desespero. Quando o céu escurece a fobia me dilacera, atropela. Quero atropelar a noite, essa que vem se achegando. Os tons claros de azul, laranja e amarelo vão abrindo alas para tons de azul escuro; e dentro de mim um rebuliço acontece. Não sei se aceito muito bem os finais de tarde. Sinto que o dia já terminou. É como se não existisse mais tempo para nada. A noite é só noite: vaga e vazia, representatividade de um final de dia, e por mais que assim eu a diga, as noites são essencialmente elucidativas. Como, de que outra forma, poderíamos ver os outros astros brilhantes no céu, se uma nova tonalidade forte e segura de azul não o cobrisse? O outro lado da moeda. Se vê uma face quando a outra é ocultada.
Modernidade... tráfego intenso e constante de pessoas, veículos, objetos, sentimentos; inconstâncias. Na verdade, tudo faz mais é permutar entre frágeis estágios  de permanência. As emoções estão em desequilíbrio. A rapidez como tudo acontece acomete meu sentir doído por ser meu agir letalmente letárgico perante afazeres e tantos medidores de velocidade pelas pistas da sociedade. Seguindo a moda da agilidade e desapego, desapegaram-se de aprender a ser humano e de respeitar o tempo que o tempo tem. Não pense muito! Faça, faça, faça. É o lema do tempo que é dinheiro, que vale muito, que vale tudo.
O homem perdeu o controle sobre si, sobre o ser e não pretende admitir. Terrível arte da manipulação por "status", terrível espírito de pobreza. Querem aniquilar a espiritualidade, o sensibilismo, o afeto. Já vejo virando a esquina o devaneio, o caos, a desrazão, a doença. A ação reduzida, a mente pouco nutrida, o ser que nada é e não se pensa quer ação e continuidade do fluxo intenso de emoções constantes e equilibradas, ele quer paz e harmonia quando não vive em si, enquanto se joga para fora em um ato misto de coragem, vaidade, cobiça e desespero.
As vite e quatro horas que compõe o dia estão passando e parece que só resta lamentar e tentar correr contra o tempo para produzir tudo o que se pensou e planejou o dia todo ou por dias, sem perceber o tempo se esvair. Agonia. Parece que só na noite posso ser produtiva. Estranho, talvez, engano.
Quando percebo a luz natural que entrava pela janela tornar-se fraca, olho para o relógio e se já são umas cinco e trinta da tarde começam as lamúrias, recriminações, vontade de fazer e fazer em meio a uma crise ansiosa. Sem perceber já levei meus dedos a boca e no segundo tempo já vejo o sabugo. O ataque de ansiedade sempre me faz destruir essas super ferramentas naturais chamadas unhas que vestem a ponta dos dedos. Droga. A cada pensamento uma lasca.
A noite... não sei quem sou a noite. Só que já não sou a mesma de quando o sol clareava minha face e dava um realce às cores. À noite tudo muda. Pássaros não cantam ou passeiam pelo céu, morcegos roubam a cena. Cachorros não latem para dar alertas, uiavam e latem por solidão. As ruas tornam-se vazias e vadias, os  comércios se encontram apagados e fechados. A noite as pessoas se entocam ressaqueadas das altas doses de 'stress' ingeridas ao longo do corrido dia, enquanto corriam contra o tempo o atravessando e atravessando a si. Corpos falidos, consciências pressionando os travesseiros... insônia, indigestão; insatisfação é rotina do mesmo ritual noturno de todo Santo dia. Grilos cantando ao luar; murmúrios de uma multidão silenciada.

L.L.